O dia: 13 de abril de 1980. O Brasil vivia ainda o período de ditadura militar, embora já com os primeiros sinais de redemocratização (há poucos meses fora concedida anistia aos exilados políticos, que iam retornando ao país: Fernando Gabeira, Leonel Brizola, Miguel Arrais, Fernando Henrique Cardoso). Mas na região do Grande ABC, o tacão do regime comandado pelo General Figueiredo fazia-se mais presente do que nunca. Os metalúrgicos filiados aos três sindicatos da categoria na região faziam a maior greve unificada jamais vista. O Ministro do Trabalho(?), Murilo Macedo, vociferava ameaçando com a intervenção nos sindicatos e a prisão dos líderes do movimento, em especial do presidente do sindicato de São Bernardo, um pernambucano barbudo conhecido como Lula, enquanto pressionava os juízes do TRT a decretarem a ilegalidade do movimento, o que de fato aconteceria dias depois. A região estava "em chamas", vivendo um clima de confronto. Tropas do Exército e da PM ocupavam as ruas; as áreas próximas às sedes dos sindicatos, como o quarteirão entre as ruas Gertrudes de Lima, Siqueira Campos e Av. Perimetral, no centro de Santo André, estavam interditadas e com acesso rigorosamente controlado; helicópteros militares cheios de soldados armados sobrevoavam ostensivamente fábricas, ruas e praças à procura de piquetes ou qualquer "aglomeração não autorizada".
Foi nesse clima tenso que Santo André e Aliança entraram em campo para disputar o primeiro clássico regional do ano pela Divisão Intermediária. Cerca de 6 mil torcedores estavam presentes ao Brunão naquela tarde ensolarada de domingo (o medo impediu um público maior). Os corajosos seriam premiados com um momento histórico.
O árbitro era José Favilli Neto, um dos mais experientes do quadro da FPF. A partida começou equilibrada, com muita disputa no meio-campo. Mas o Ramalhão, que ainda tinha a base do time vice-campeão do ano anterior, começou logo a impor sua maior habilidade, e Arnaldo abriu o placar aos 10 minutos. O Aliança logo reequilibrou o jogo, e o primeiro tempo terminou sem mais bolas na rede.
Na segunda etapa pouca coisa mudou, e equilíbrio se manteve até os 30 minutos. A partir daí a habilidade individual dos andreenses e o cansaço do Aliança (com vários veteranos na equipe) começou a fazer a diferença. Aos 36 minutos, Mazzolinha chuta forte para fazer 2 x 0, e dois minutos depois, novamente o ágil ponta-direita loiro marcava o terceiro gol do Ramalhão. Os cerca de 200 torcedores "batateiros", tristes, enrolaram suas bandeiras (sim, nessa época o futebol era uma festa, e era permitido até mesmo levar bandeiras aos estádios), enquanto os andreenses comemoravam. Mal sabiam uns e outros que o melhor ainda estava por vir.
Aos 43 minutos, o Aliança lançou-se ao ataque e perdeu a posse de bola. Mazzolinha, sempre ele, dominou no meio de campo, viu o centroavante Da Silva, baixinho (1,65 m) mas veloz e de incrível habilidade com a bola nos pés, avançando pela direita, e fez um lançamento no vazio, pelo meio da defesa. (O Santo André atacava para o gol de entrada do estádio.) O pequeno artilheiro recebeu a bola lançada e invadiu a área na diagonal, deixando o lateral adversário para trás; entre ele e o gol, apenas mais dois adversários. A torcida ficou em pé, pressentindo o gol.
O corpulento zagueiro Botu avançou como um tanque sobre Da Silva, que, esperto, deu um drible desconcertante para a esquerda, deixando o adversário sentado no chão.
O bom goleiro Martins saiu no desespero, tentando tocar na bola ou fazer o pênalti, mas o Da Silva era terrível. Quando todos, inclusive o goleiro, esperavam que ele driblasse para a direita, em direção à linha de fundo, para então tocar para o gol (como fez Romário num jogo Brasil x Uruguai, no Maracanã) ele fez o contrário: praticamente parou a bola, tocou-a de novo para a esquerda, deixando o goleiro caído e sem ação; dominou novamente a bola já dentro da pequena área; deu alguns passos para a frente... e tranqüilamente tocou a bola para o gol vazio. A torcida explodiu extasiada. Foi a primeira vez, e única até hoje, que eu vi até o árbitro cumprimentar um jogador pelo gol marcado.
Foi uma obra de arte, provavelmente o mais belo gol marcado no Bruno Daniel; pelo menos, o mais bonito que eu vi. Como diz a famosa música de Jorge Benjor, foi "um verdadeiro Gol de Placa."
E você, internauta, lembra-se de outros grandes momentos vividos no Bruno Daniel? Conte-nos como foi.
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