No final de julho, fomos surpreendidos com a suspensão das atividades do sítio ABC do Esporte, iniciativa do ramalhonauta Anderson Fattori. O sítio apresentava um trabalho diferenciado em relação a tudo o que já se fez em matéria de cobertura esportiva na região, abrindo espaços para as mais variadas modalidades esportivas praticadas no Grande ABC, do basquetebol à esgrima, sem se restringir ao futebol como faz a maioria dos sítios, "blogs" e periódicos que se intitulam "esportivos" mas só falam de futebol mesmo.
Pauta é o que não faltava para o ABC do Esporte, pois o Grande ABC fervilha de torneios e esportistas amadores e profissionais em atividade. E o Anderson se desdobrava para colocar no ar matérias sobre modalidades, atletas e competições dos quais, de outra forma, nem ouviríamos falar.
Mas, como apenas entusiasmo não basta, a "falta de patrocínio" tirou do ar o ABC do Esporte. "Temporariamente", escreve o Anderson em sua mensagem de esclarecimento, mas tenho fortes razões para achar que a retirada acabará sendo definitiva. Basta olharmos um pouco para trás. Quem não se lembra dos "Craques do Rádio" sob o comando de Rolando Marques; da Rádio Emissora ABC do Giba, Ivanor Batista e Alcides Corrêa acompanhando o Ramalhão onde e como o time estivesse; dos cadernos dominicais de esportes do Diário do Grande ABC, com duas ou três páginas dedicadas somente ao futebol amador e matérias de página inteira sobre os times profissionais da região: o Ramalhão, Saad, Aliança...
Enfim, existia uma mídia esportiva regional, sustentada por patrocinadores locais e com um público fiel e interessado, ainda que limitado pela população da região. A mídia regional ainda contava com cinco ou seis emissoras de rádio em atividade, com programações diferenciadas, e o Diário do Grande ABC ficou conhecido como "o maior jornal regional do país". A presença desses órgãos de imprensa voltados para as coisas locais fomentava uma "identidade regional", não apenas no Esporte, mas em todos os campos da atividade humana, como a Cultura e a Política. Não havia TV local, mas isso não representava um obstáculo decisivo. O Grande ABC era o Grande ABC.
Hoje a situação é bem diferente. O mundo passou por mudanças profundas e isso se refletiu em nossa região. As pequenas e médias empresas locais que patrocinavam aquela mídia regional sucumbiram às seguidas crises econômicas, ou foram incorporadas por outras maiores (em geral multinacionais) sem raízes ou vínculos com o "operário" Grande ABC. A região começou a ficar pequena demais para as novas pretensões de faturamento dos órgãos de mídia e de seus patrocinadores em potencial. Paralelamente, o aumento dos custos trabalhistas e tributários e o sucateamento da infraestrutura exterminaram o nosso famoso parque industrial, mandando para longe empresas, empresários e postos de trabalho.
Assim a tão propalada "pujança" da região antes tida como a "locomotiva de São Paulo" foi rapidamente reduzida a pó. Todas as cidades do ABC sentiram o baque, e Santo André mais que todas: quase nenhuma indústria nos restou para contar a história. O setor terciário (comércio e serviços) cresceu, com a vinda de grandes cadeias de hipermercados que ocuparam o espaço dos galpões abandonados pela indústria, mas só pôde absorver uma pequena parcela da mão–de-obra disponível. Com os consumidores potenciais desfalcados pela falta de emprego, a capacidade desse setor de recuperar a economia da região é limitada. Além disso, essas grandes empresas não têm uma visão regional, nenhum interesse em interagir com a comunidade local; seu único objetivo é faturar mais e mais num mercado globalizado e cada vez mais competitivo. O "macro" substituiu o "micro"; na nova ordem econômica mundial não há espaço para regionalismos.
Sem o seu sustentáculo financeiro a mídia do Grande ABC, que parecia forte e estável, desapareceu num piscar de olhos. O processo começou quando a tradicionalíssima Rádio Clube de Santo André mudou-se para a Avenida Paulista, transformou-se em Trianon e mudou totalmente sua programação, rompendo os laços com o ABC para buscar audiência e faturamento no imensamente maior mercado paulistano. Não era um fenômeno isolado. Em pouco tempo as demais emissoras da região também "migraram" para a Capital, mudaram sua programação ou simplesmente encerraram atividades, com apenas duas exceções: uma delas optou por voltar sua programação para a zona leste da Capital e, por razões ditas mercadológicas (mas provavelmente não apenas por isso), passou a dedicar cobertura esportiva integralmente ao Santos F.C. e negar a existência das equipes da região, do Ramalhão em especial. A outra emissora que nos restou possui programação exclusivamente religiosa.
O DGABC também viveu uma crise econômica e acabou vendido. Seu grupo empresarial, que incluía emissoras de rádio AM e FM, se desfez. O jornal continua em circulação, mas já sem a mesma força de antes, e sua cobertura esportiva local tem sido especialmente decepcionante, com espaços mínimos para os times da região em comparação com décadas passadas e chegando a cometer erros primários, como errar nomes de jogadores do Santo André e até do próprio clube...
O espaço deixado pelo sumiço de nossa mídia logo foi ocupado pelos órgãos de imprensa da Capital, para os quais o Grande ABC não passa de uma obscura e longínqua periferia. O resultado é que, tirando raros eventos positivos (como o título do Ramalhão na Copa do Brasil), o ABC só aparece na mídia paulistana quando ocorre alguma tragédia ou quando se "requenta" a pauta do caso Celso Daniel. Fora isso, tornamo-nos "invisíveis". Assim o que nos restava de identidade regional foi sepultada. Fomos reduzidos a "suburbanos" com a autoestima no chão; não somos mais "abeceanos", mas paulistanos deslocados. Já é normal que moradores do ABC em viagem pelo interior ou por outros Estados apresentem-se dizendo simplesmente que são "de São Paulo". Eis o epitáfio da nossa identidade regional.
Até a geografia conspira contra nós, pela relativa proximidade da Capital e a inexistência de barreiras naturais, circunstâncias que nos impedem de possuir emissoras locais de TV de sinal aberto. As experiências na faixa UHF têm sido decepcionantes, com a repetição do ocorrido com as rádios. A TV a cabo ainda atinge uma parcela mínima da população, mas parece ser o único meio promissor para que voltemos a ter uma mídia regional. Resta democratizá-la, o que ainda está longe de acontecer.
Restou-nos a internet (e ainda bem que ela surgiu!) como meio de divulgação, e é graças a ela que a torcida ramalhina consegue manter alguma interatividade e motivação. Mas a implacável falta de investidores interessados continua a ser um obstáculo imenso, e o que aconteceu com o ABC do Esporte é uma demonstração disso.
De resto, o rumo atual da História indica que, a menos que uma ruptura aconteça, o processo de globalização econômica (do qual o sumiço dos patrocinadores foi subproduto) é irreversível. Espero estar enganado, mas, a não ser que o terrorista Bin Laden tenha êxito em sua "cruzada" pela destruição da "civilização capitalista-judaico-cristã ocidental", o Anderson continuará por muito tempo sem patrocinador para o seu sítio. Só faltava essa, termos que torcer para o Osama.