O Ramalhão tem passado por um período de fortes turbulências (cuja origem parece remontar à assembléia que elegeu os novos membros do Conselho Deliberativo do clube), e os fatos se sucedem numa autêntica roda-viva a deixar o torcedor atônito. Com isso, acabei me atrasando em meu compromisso para com o sítio Ramalhonautas, pois simplesmente não conseguia definir um tema sobre o qual escrever.
Nessas horas o melhor é dar uma parada e afastar-se um pouco para ter uma visão melhor do campo de batalha, abstraindo-se dos detalhes para tentar visualizar o todo. É o que tenho tentado fazer nos últimos meses. E uma das conclusões a que cheguei é que o Santo André está sendo vítima, entre outras coisas, de escolhas do passado.
Ao longo de décadas, a forma de dirigir o futebol do Santo André pouco mudou. Montava-se um time, disputava-se o campeonato, ao final negociavam-se os atletas que mais se destacaram e assim a coisa seguia. Havia, normalmente, uma relação mais ou menos estreita com o Poder Público. Essa "fórmula padrão", seguida pela maioria dos clubes, teve aqui sucesso relativo: o Ramalhão chegou à divisão principal do futebol paulista e manteve-se nela por algum tempo. Nesse período, fez sua primeira grande escolha: optou pela consolidação como clube recreativo, construindo o Poliesportivo. Com isso passaram a existir dois "Santos Andrés", um para os sócios, outro para os torcedores.
O problema é que não houve um esforço para amalgamar as duas categorias. Os associados do Poliesportivo não torcem para o time de futebol, e os torcedores, com poucas exceções, não freqüentam o Jaçatuba. Hoje, o Ramalhão sente a falta dessa categoria de torcedores que poderiam envolver-se com maior empenho e interesse com o futebol do clube, por terem com ele uma dupla relação, de usufruto e de paixão.
Enquanto isso, as mudanças na Lei do Passe e a Lei Pelé mudaram completamente as relações no futebol profissional, e os clubes que seguiam aquela "fórmula padrão" demoraram a se dar conta que ela não servia mais. Tornou-se necessário ter uma infraestrutura mais sólida e sofisticada, com estádio próprio, centros de treinamento, alojamentos, refeitório, departamento médico, equipamentos de fisioterapia e um corpo de profissionais de muito maior capacitação do que a boa e velha comissão técnica "treinador-preparador físico-massagista". Com isso tudo, o tal do dinheiro tornou-se o grande diferencial. Quem tem, prospera, quem não tem, afunda e desaparece.
O Santo André não se preocupou em construir essa infraestrutura enquanto se consolidava como clube recreativo. Agora precisa correr atrás.
Mas o clube também fez escolhas positivas. Uma delas foi a criação do Projeto Jovem SA, e quase chego a afirmar que ele é a única garantia de sobrevivência do futebol do clube. Basta olhar para o elenco atual, com nada menos que 12 jogadores formados pelo Projeto e outros tantos a caminho. Mas o assédio de "empresários" às jovens revelações do Projeto pode ser uma ameaça à sua continuidade. Outra opção acertada a meu ver foi a incorporação do tradicional Clube de Campo do ABC.
Recentemente, mais uma escolha foi feita, e desta vez crucial: a terceirização do futebol profissional para uma empresa criada especialmente para isso. É um passo fundamental para tentar acelerar o processo de "infraestruturação" (acabei de inventar essa palavra) do futebol do Ramalhão. Mas há um risco: como o clube-empresa tem um número razoavelmente grande de sócios investidores, naturalmente surgirão grupos, tendências, lideranças e diferentes visões entre eles, tal como acontece em qualquer coletividade. Assim, sabe-se como o processo está começando, mas não como terá andamento ou até onde irá chegar. A forma como os grupos de cotistas irão interagir e o seu grau de comprometimento com os objetivos a serem alcançados é que definirá o maior ou menor sucesso da empreitada.
Enquanto o Ramalhão não vencer essa fase de transição e turbulências, os reflexos naturalmente serão sentidos em campo. E nós, torcedores, é que iremos sofrer.