No dia 3/5, sábado à noite, o Santo André empatou em casa com o União de Araras por 1 gol, resultado que consolidou a volta do Ramalhão à elite do futebol paulista. No dia seguinte, pouco antes da partida decisiva da Série A-1 entre Palmeiras e Ponte Preta no Estádio Palestra Itália, câmeras da TV flagraram um alto dirigente da empresa Santo André Gestão Empresarial Desportiva Ltda., com a camisa alviverde, vibrando em meio à torcida palestrina. O fato gerou mensagens indignadas na lista de discussão Ramalhonautas.
Costumo acessar com freqüência o ótimo sítio Trivela, cujo carro chefe é o futebol europeu. Lá existe um "blog" muito concorrido em que torcedores postam suas opiniões e "brigam" a valer; uma discussão recente envolveu "blogueiros" que se declaram torcedores de clubes europeus como Manchester United e Real Madrid e depreciam o futebol brasileiro e seus clubes mal dirigidos, e outros que tratam os primeiros por "torcedores de banda larga" ou "geração Playstation". Há pouco tempo li naquele "blog" uma mensagem de um torcedor esclarecido que me impressionou pela lógica. Partindo da colocação de alguns que equiparam futebol a religião, ele considerou que para seguir qualquer religião é necessário fazer parte de uma congregação de fiéis, freqüentar um mesmo templo e compartilhar preces e ritos como forma de alimentar sua fé. Segundo essa lógica, não dá para chamar de torcedor do Manchester, por exemplo, um adolescente brasileiro que só vê o time inglês pela tela da TV ou do computador, nunca freqüentará Old Trafford nem entoará os cantos da torcida em estímulo aos atletas; enfim, não faz parte daquela congregação, não está inserido naquela condição específica. Esse pode ser chamado de fã, adepto, admirador, mas não torcedor.
Mas o que o primeiro parágrafo tem a ver com o segundo? Ora, sabemos que o morador andreense está numa condição "sócio-geográfico-midiática" muito peculiar. Estamos de tal forma sob a influência dominadora da metrópole que só o que ainda faz de Santo André uma cidade (no sentido legal do termo) é a existência de um prefeito, uma Câmara de vereadores e um orçamento próprio. De resto, somos mera periferia da Grande São Paulo, sem direito sequer a identidade regional. Nas mídias em geral só vemos notícias do que se passa na Capital, e na TV os programas esportivos só falam dos clubes "grandes".
Assim, é natural que a maioria dos andreenses que apreciam futebol, pode-se dizer quase a totalidade, apresentem-se como torcedores do Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Santos. Mesmo que não sejam "torcedores" mesmo, mas apenas admiradores como definido pelo "blogueiro". Até que ponto podemos esperar que tais torcedores, ou "fãs", de times "grandes" voltem sua admiração para o Ramalhão, única forma de se obter aumento de público em nossas partidas?
Lembro-me que no passado havia umas camisas grotescas divididas ao meio, sendo metade do Ramalhão e a outra metade de um time "grande" qualquer, coisa que além de péssimo gosto evidenciava a existência do torcedor "dividido". Assim como as horrorosas camisas sumiram com o tempo, também o "torcedor dividido" praticamente sumiu, pela influência da mídia que impõe e padroniza as preferências clubísticas para alguns poucos times, a fim de direcionar informações e consumo com maior eficiência. Isso explica o sumiço da torcida nas partidas do Ramalhão, pois no passado (anos 70 e 80) o público predominante no Bruno Daniel era formado pelos tais torcedores "híbridos", na verdade torcedores somente do time "grande" e admiradores do Santo André.
O que nos leva de volta ao dirigente referido no parágrafo inicial. Ele é um "adepto" do Ramalhão, inclusive na condição de investidor, mas sua paixão clubística continua sendo o Palmeiras; tornou-se, pelas circunstâncias, algo parecido com um torcedor "híbrido" à moda antiga. Sob esse ponto de vista, podemos até entender a atitude do cotista. Entender talvez, mas aceitar de modo algum, ainda mais no dia seguinte à primeira grande conquista ramalhina sob o comando da empresa.
Se não temos como exigir que os andreenses que torcem por times "grandes" passem repentinamente a preferir o Ramalhão, temos o direito de esperar essa atitude por parte dos cotistas, como forma de demonstrar total comprometimento com o sucesso de nosso time de coração. Que vistam a camisa ramalhina e se tornem, mais do que "adeptos" ou "torcedores divididos", autênticos torcedores como nós.
Se a empresa criada especialmente para gerenciar o futebol profissional do Santo André não tiver o amor ao Ramalhão como principal condutor de suas ações, a empreitada será bem mais difícil. Afinal, o que se faz com paixão sempre dá melhores resultados do que se for feito apenas por obrigação ou interesse financeiro.
Para terminar, deixo uma questão para reflexão e debate. O ramalhino em geral despreza aquele torcedor que comparece eventualmente aos jogos do Ramalhão mas vibra toda vez que o sistema de som do estádio anuncia um gol de algum time "grande" que esteja jogando simultaneamente. Mas esse tipo de público é o único que ainda pode ser influenciado a comparecer mais assiduamente ao Bruno Daniel. Afinal, a presença do torcedor "dividido" é um bem e deve ser estimulada, ou um mal necessário a tolerar?