Desde a inexplicável derrota em casa diante do Fluminense, adversário direto na luta contra o rebaixamento, compreendi que a batalha do Ramalhão para emplacar uma segunda temporada na elite do futebol brasileiro era em vão. No momento em que atualizo este texto, os números já não deixam margem a dúvidas: com 38 pontos ganhos em 36 rodadas, a produtividade do Ramalhão na Série A é de míseros 35,18%. Mesmo se tratando de um dos campeonatos mais equilibrados dos últimos anos, com uma curva gaussiana pouco abaulada (que, em consequência, aproxima os extremos – o campeão deste ano terá pontuação que em outras temporadas não garantiria sequer vaga na Libertadores), um aproveitamento tão baixo dificilmente nos manterá na Série A.
Agora, como de hábito entre os torcedores brasileiros, é o momento de procurar e execrar culpados. Cômodo seria jogar toda a responsabilidade em uma única pessoa, no caso, o comandante da Gestão Empresarial. Claro que a SAGED tem culpa no cartório, mas quando um incêndio destrói um bairro inteiro a culpa não é só da vela que caiu no tapete durante o apagão. Uma tragédia nunca tem uma causa isolada.
Assim, e já que errar é humano e encontrar em quem por a culpa é mais humano ainda, decido ceder à tentação de achar os responsáveis pelo voo galináceo do Ramalhão pela elite do futebol brasileiro. Deixo claro que se trata de minha visão pessoal. Minha análise, como não poderia deixar de ser, começa pela...
SAGED: após conseguir a façanha de levar o Ramalhão à Série A depois de 25 anos, a Gestão Empresarial acabou por cometer três erros fatais, motivados por inexperiência e soberba. Primeiro, pensando empresarialmente, considerou que num cenário de clubes tradicionais atolados em dívidas bilionárias tudo o que o Santo André precisaria fazer para se dar bem na elite era oferecer salários em dia (seria o tal "projeto" por tantos elogiado). Enganou-se ao achar que em terra de cego quem tem um olho seria rei. Nada mais errado, pois não há cego algum na direção dos "clubes de ponta" do país; no meio de tantos espertalhões, o Ramalhão não passou de um caolho sem majestade alguma. Ainda assim, enganou a si mesmo ao achar que iria lutar por vaga na Libertadores, em lugar de enquadrar o objetivo bem mais viável de não cair, e adotou uma forma de remuneração por produtividade pouco adequada à realidade de quem não brigaria pela ponta da tabela.
O segundo erro foi na montagem do elenco. Manteve-se a base da conquista do acesso e da campanha razoável no Paulistão, achando que teria qualidade suficiente para encarar uma Série A. Mas a prática mostrou que naquele grupo não havia mais que 3 jogadores com "nível A": Neneca, MC e talvez o boliviano Escobar. A política de reforços, que poderia minimizar o risco, foi calamitosa. Até se tentou trazer alguns atletas com tarimba para o Brasileirão, e Gustavo Nery foi o melhor exemplo, mas acabou sofrendo com contusões seguidas. De resto, quase só desembarcaram no Jaçatuba jogadores de qualidade duvidosa até para uma Série B.
Vejamos, por exemplo, o ataque. Tirando Nunes, titular durante todo o campeonato, ao longo do ano chegaram as seguintes figuras: Moraes, Rodriguinho, Malaquias, Wanderley, Leandrinho e Ramazotti, além da reintegração de Osny. Que o leitor atento se dê o trabalho de contar quantos gois foram marcados por todos esses atacantes juntos ao longo da temporada... Investiu-se em quantidade, não em qualidade. Com o que se gastou com tantos foguetes molhados daria para trazer dois atacantes de mais gabarito para serem titulares, e para a reserva bastaria promover os garotos como Bruno Moraes, Ricardinho e Jefferson, sem custo algum. O problema se repetiu em quase todas as posições do time, exceto lateral esquerdo e meia de ligação, que só foram atendidas com alguma qualidade com as chegadas de Ávine e Camilo (mas já era tarde). Isso para não falar de jogadores que nem chegaram a esquentar lugar no elenco, casos de Basílio, Luís Mário e o "gato" Rafael. A impressão que fica é que o Ramalhão tornou-se terreno livre para empresários e "empresários" colocarem seus atletas apenas para terem uma passagem pela Série A no currículo. Enquanto isso, pratas da casa de inegável qualidade, como Juninho, Luís Carlos e Júnior Caiçara, eram emprestados.
O caso Osny merece destaque especial entre as "roubadas" do ano. A renovação de seu contrato por si só já foi uma surpresa, pois afastado do elenco tudo indicava que seria dispensado. E mais surpreendente foi a pressão para que o jogador, mesmo sem nenhuma condição de jogo, fosse escalado, contra a vontade do treinador Sérgio Guedes que preferiu pegar o boné a aceitar ingerências em seu trabalho. O caso merecia maiores explicações, mas transparência é o que menos se vê pelos lados do Centro Empresarial da Pereira Barreto.
O que nos conduz ao terceiro erro da Gestão Empresarial: a já citada soberba. O Sr. Ronan Pinto e seus assessores diretos nunca esconderam que nada entendem de futebol, mas nem por isso tiveram a humildade de entregar a gerência da equipe a alguém que entendesse. Até hoje ninguém sabe o que o ex-craque Müller veio fazer por aqui, menos ainda o homem do vôlei Navajas. (Atualização: somente agora a gestão parece tatear na direção certa, com a contratação do gerente Carlos Arine. Então é o caso de perguntar por que não fizeram isso antes.)
Também não se tentou buscar mais público nos jogos em casa ou trabalhar melhor o relacionamento com os poucos torcedores. Pelo contrário, a injusta dispensa do lateral Alexandre, muito querido pela torcida ramalhina; a recusa em reduzir os preços dos ingressos; e a tentativa de levar várias partidas do Ramalhão para o norte do Paraná, visando unicamente obter lucro, foram os retratos 3 x 4 do divórcio entre diretoria e torcida, divórcio esse que culminou nos tristes acontecimentos da "Sexta-feira 13". Nem o próprio Jason teria causado estrago tão grande na moral do elenco e dos torcedores quanto o ocorrido na arquibancada do Bruno Daniel naquele treino fatídico.
De fato, grandes são as culpas da SAGED, mas eles não erraram sozinhos...
A cidade: Alguém já se deu conta que Santo André é a única cidade de seu porte no Estado de SP a ter um único estádio e uma única equipe de futebol profissional? Sorocaba e Guarulhos têm duas equipes, assim como São Bernardo (ou três se o tradicional ECSB realmente voltar, como se anuncia); Ribeirão Preto e São José dos Campos, três equipes; e Campinas, nada menos que 4 equipes. Mas, mesmo com apenas um time no profissionalismo, Santo André mostra-se incapaz de sustentá-lo – e, pior, não faz a menor questão disso. É revoltante que, tendo o time que ostenta seu nome, suas cores e seu brasão participando de um dos mais importantes campeonatos de futebol do planeta, a cidade tenha simplesmente ignorado o fato, como se ainda disputássemos a A-2.
Não se trata aqui de querer dinheiro público para sustentar o futebol, como infelizmente ainda se faz em algumas cidades, mas sim que o ECSA torne-se uma bandeira do município, um motivo de civismo e orgulho para os andreenses. E isso não se consegue senão com o apoio incondicional do poder público, como tivemos na época de Celso Daniel. Mas da atual gestão parece que temos pouco a esperar, como as condições cada vez mais precárias do Estádio Municipal demonstram.
Falando nisso, penso que a "Era Bruno Daniel" terminou. O velho estádio já cumpriu sua missão e hoje só reúne condições de ser devolvido à várzea da cidade. O Ramalhão precisa urgentemente de uma casa nova, que lhe permita oferecer conforto para atrair de volta o público e condições adequadas de trabalho para a imprensa. Esse novo estádio pode até ser o próprio Bruno Daniel, desde que a cidade se disponha a fazer o que o Atlético Paranaense fez com seu antigo estádio Joaquim Américo – colocar tudo abaixo e construir um novo. Nem precisaria ser uma grande e modernosa arena; 18 mil lugares sentados e com conforto seriam suficientes.
A mídia: é impressionante a quantidade de inimigos que o Santo André conseguiu fazer na "grande" imprensa esportiva, a partir do momento que seu acesso ao Brasileirão se confirmou. E o "batalhão de choque" de proteção às equipes tradicionais atuou intensamente ao longo do campeonato para minimizar a importância do Ramalhão e deixar claro que o time não passava de um intruso ocupando uma vaga que poderia estar em melhores mãos. Curiosamente, o Barueri não sofreu esse processo na mesma intensidade. A razão de somente o Ramalhão haver despertado tamanha antipatia, só podemos imaginar.
A falta de público: ao longo dos anos foi o torcedor "misto" quem de fato levou o Ramalhão avante. Os grandes públicos dos anos 70 e 80 eram formados basicamente por esse tipo de torcedores, que levavam seus filhos ao estádio e estes constituíram a primeira geração de ramalhinos "autênticos". Era comum a presença no Bruno Daniel de torcidas organizadas dos times "grandes" sediadas na região, com exceção do Palmeiras. Hoje a realidade é diversa, mas o torcedor "misto" ainda existe, mesmo em muito menor número e sem o entusiasmo do passado. No entanto, esse tipo de torcedor só é útil quando o Ramalhão não disputa o mesmo campeonato (campeonato relevante, entenda-se, o que o Estadual já não é) que o seu time do coração: se isso acontece, é evidente que o torcedor "híbrido" vai preferir apoiar a "sua" equipe, e esse fenômeno foi claro no Brasileirão. Apenas os poucos a terem o Ramalhão como primeiro time mantiveram-se assíduos, e consequentemente o Bruno Daniel permaneceu quase vazio ao longo do Brasileirão, com média de público, excluídos os jogos em que a torcida visitante foi maioria, abaixo de 3.000 espectadores. Foi mais um argumento para alimentar as críticas ao Ramalhão.
Podemos, enfim, resumir tudo da seguinte forma: o Ramalhão não se preparou, nem antes nem durante o campeonato, para escapar do descenso; não teve os apoios de que precisava nem se preocupou em buscá-los; tratou mal seus aliados e forneceu munição aos inimigos. Agora colhe os frutos do mau planejamento e da falta de experiência. E o que o futuro nos reserva?
Não chego ao extremo de dizer que a SAGED foi um fracasso total, mas certamente a atual fórmula de gestão precisa de aperfeiçoamento. A definição clara de um organograma, para que se saiba afinal quem deve fazer o quê, e a volta das assembléias de cotistas, com poder deliberativo (e não apenas figurantes balançando a cabeça dizendo sim, como no Casseta e Planeta), seriam medidas bem vindas. Em seguida, deveria ser preparado um projeto de médio e longo prazo para o futebol profissional, tendo como bases principais os seguintes pontos:
· trabalho de promoção e marketing visando conquistar novos torcedores;
· implantação da figura do sócio-torcedor, com venda de season tickets;
· conclusão do CCT;
· incremento do trabalho com as categorias de base;
· celebração de parcerias para aquisição de terreno e construção de um novo estádio, ou reconstrução do Bruno Daniel.
Até que todo esse trabalho seja implementado, entendo que, se o rebaixamento praticamente inevitável acontecer, o Ramalhão não deve gastar esforços numa tentativa de retorno imediato à Série A, pois um novo descenso seria quase inevitável e as consequências poderiam ser bem mais funestas que as atuais. É preferível tentar permanecer uns dois ou três anos no porto seguro da Série B, longe de achaques e dos olhos da grande mídia, enquanto se constrói uma estrutura sólida capaz de sustentar-nos na elite por um período bem maior.