O novo ano de 2010 já começou implacável, com catástrofes no Brasil e no mundo que colocam o Homem em xeque diante das forças da Natureza. Para o Ramalhão, este deverá ser um ano de recuperação, em que o time tentará refazer-se dos tombos sofridos na mal sucedida campanha no Brasileirão e encontrar um novo caminho, mais sólido e confiável, para tentar retornar à elite. Mas o "meio ambiente" do futebol também começa a passar por mudanças que poderão alterar profundamente a relação entre as entidades de prática esportiva, seus torcedores, as comunidades em que estão inseridas e, principalmente seus mantenedore$. Esse cenário mutante pode produzir resultados inesperados no futebol, e o Ramalhão também pode ser afetado.
Desde que se o futebol deixou de ser apenas um entretenimento das massas para se transformar num dos negócios mais lucrativos do planeta, a "pressão" sobre as entidades esportivas para que se "modernizassem" e profissionalizassem sua gestão fez surgir o conceito de "clube-empresa" (que prefiro chamar de "Futebol Ltda."), em princípio um tanto vago, mas que começa a se definir e mostrar a que veio. E hoje já se percebe que a grande diferença entre o clube de futebol "tradicional" e o modelo "profissionalizado" é que o primeiro existe para agradar o torcedor, e o segundo, o investidor.
E se até este momento a absoluta maioria das entidades esportivas do futebol brasileiro, pelo menos 95% delas, ainda são do tipo "tradicional", os 5% restantes estão começando a aparecer – e a fazer barulho. Já são várias as empresas atuando no futebol, especialmente no estado de São Paulo: o Desportivo Brasil, ligado à Traffic; o Olé Brasil de Ribeirão Preto, pertencente ao Grupo Leão Leão, que atua na área de infraestrutura e também é proprietário do Votoraty, atual campeão da Copa Paulista; o Pão de Açúcar E.C., o Primeira Camisa, e diversos outros. E é nesse contexto que deve ser entendida a mudança do Grêmio Barueri para a distante cidade de Presidente Prudente, que vem gerando muita polêmica.
Equipes de futebol mudarem de sede e de cidade nunca foi um fenômeno raro. No interior de SP já tivemos diversos casos, como o do Votuporanguense que se mudou para Hortolândia, do C.A. Lençoense que passou a denominar-se CAL/Bariri, ou mesmo o Saad, que nos anos 80 trocou São Caetano por Águas de Lindóia. Já tivemos até mesmo times itinerantes, como o Boa Vista. Mas tais casos nunca chamaram muita atenção da mídia, porque envolviam equipes minúsculas, sem expressão nacional. Quando muito, tais mudanças eram vistas como folclóricas, típicas da "várzea" interiorana e em geral motivadas por dificuldades econômicas. Mas tudo muda de figura quando a equipe envolvida faz parte da elite do futebol paulista e brasileiro.
O Barueri destacou-se como um time de muito dinheiro e pouca torcida, com organização profissional e portanto integrante dos 5% acima referidos, e por isso tratado jocosamente pelos demais clubes, e pela imprensa a eles submissa, como "mais um time de prefeitura". A anunciada transferência da entidade para Presidente Prudente e sua futura mudança de razão social para Grêmio Prudentino tiveram impacto imediato na estrutura do futebol brasileiro que, embora carcomida, há décadas vem se sustentando sem grandes modificações.
E não são poucos, inclusive gente que passa por bem informada, a defender que o Barueri deveria perder sua vaga na Série A; esquecem-se que a Constituição assegura o direito de exercer qualquer atividade lícita em qualquer ponto do território nacional, e que mudanças de razão social, quadro societário, endereço e até de atividade são fatos corriqueiros no mundo negocial. Empresas dedicadas ao futebol são empresas como outras quaisquer. Ora, não queriam tanto a "profissionalização" do futebol? Pois eis o resultado... E a situação ficou ainda mais interessante com a anunciada mudança do Campinas F.C., time-empresa fundado pelos ex-atacantes bugrinos Careca e Edmar, para a cidade de Barueri, agora não mais "órfã" do futebol. A "mobilidade" de equipes de futebol tende a se tornar frequente.
Mamamamamas... e o torcedor?? Sem dúvida, fica para segundo plano. Como dito acima, a "Futebol Ltda." existe em função do investidor e seu único objetivo é ganhar dinheiro; o torcedor é apenas um subproduto, dispensável, se não indesejado, pois não gera lucro algum. Assim como nenhum empresário deixaria de transferir seu negócio para outro local em busca de maior mercado e menores custos somente para não abandonar sua atual freguesia, também nenhum time administrado empresarialmente vai deixar de se mudar, se a mudança lhe for conveniente, em consideração à torcida. O torcedor que queira dedicar sua paixão a um "Futebol Ltda." deve saber o risco que corre e decidir se vale a pena.
E o que tem isso tudo a ver com o Ramalhão? Em princípio, talvez nada. Mas muitos ramalhinos, tanto na lista quanto no anonimato do Mural, têm expressado receio de que o Santo André siga o exemplo do Barueri, diante das divergências explícitas entre a direção da Gestão Empresarial e a atual Administração andreense.
Acredito que tais receios têm fundamento. A SAGED tem caracterizado sua gestão pela independência em relação ao clube, a ponto de haver adquirido um centro de treinamentos e usá-lo exclusivamente para as categorias de base, investindo em lucros futuros, enquanto o elenco principal nem pode usar o local e permanece sem um campo de treinos adequado. O que impede a SAGED de transformar-se em outro Desportivo Brasil, disputar a Quarta Divisão de forma autônoma ou por parcerias e passar a gerenciar e negociar seus garotos diretamente? Nada, a não ser a participação minoritária do ECSA no empreendimento, fato que pode ser contornado sem dificuldade dentro das normas comerciais.
O Santo André não se enquadra precisamente no conceito de "Futebol Ltda." por ser um clube recreativo consolidado, com grande quadro associativo, e também por ter tradição no futebol profissional e uma torcida própria, razoavelmente numerosa. Mas o torcedor ramalhino também precisa conhecer o risco que corre.