Passadas as emoções da Copa do Mundo, que para o Brasil mais uma vez terminou nas quartas-de-final (e é incrível que a libertinagem de 2006 e a total clausura de 2010 tenham produzido exatamente o mesmo resultado), é hora de voltarmos nossas atenções para o futebol doméstico, em que o Ramalhão – espera-se – fará uma campanha de recuperação na Série B após a fraca participação na primeira "bateria" do torneio.
Mas nosso objetivo não é falar do presente do Ramalhão, e sim do futuro. O futuro de um time são as categorias de base, e a gestora do futebol do ECSA está apostando alto no Centro de Formação da Estância Santa Luzia para enfim começar a formar atletas de qualidade e produzir o lucro tão aguardado pelos cotistas. E é justamente nesse ponto que se iniciam nossas preocupações. Uma questão se impõe: a SAGED pretende formar jogadores para o Ramalhão ou diretamente para o mercado?
Observando-se a atual composição do elenco ramalhino que disputa a Série B, constata-se que, no grupo de 34 profissionais, somente 4 foram formados no próprio clube – e nenhum deles é titular. É uma constatação preocupante, quando nos lembramos que a tradição do clube é de sempre escalar pratas da casa e que todas as conquistas recentes do Ramalhão foram alcançadas por elencos com vários atletas forjados nas categorias de base. A Copa do Brasil 2004 é o maior exemplo disso – faziam parte daquele grupo de heróis Junior Costa, Alex Bruno, Tássio, Makanaki, Ronaldo e outros frutos do extinto projeto Jovem Santo André.
Hoje a filosofia é completamente diversa, e ouso dizer que foi o próprio sucesso do Ramalhão no cenário do futebol brasileiro que motivou essa mudança: por um lado, as cobranças tornaram-se maiores e a coragem de ousar escalando garotos foi superada pela necessidade de resultados imediatos em campo, a serem obtidos por atletas mais experientes; e por outro, o Ramalhão transformou-se em vitrine muito atraente para empresários colocarem seus atletas, em busca de valorização e de um currículo mais recheado. Eventualmente uma equipe formada desse modo pode alcançar bons resultados em campo, como no último Paulistão, mas não nos agradaria ver o Ramalhão transformado em time de aluguel.
Mas o cenário não é tão simples. Outros fatores têm colaborado para manter as revelações ramalhinas na faixa etária dos 18 aos 20 anos longe do elenco principal. Um desses fatores foi a criação de uma equipe B no Santo André. Os jovens atletas que estouravam a idade para jogar o sub-20 e a Copinha passaram a ser alocados para a equipe reserva, em lugar de serem testados no time titular. Não por acaso, desde 2008 apenas dois atletas saltaram diretamente do sub-20 para a condição de titulares do Ramalhão (Junior Dutra e Ricardo Goulart). Todos os demais têm encontrado as portas fechadas: ou são emprestados a clubes do interior ou de outros Estados, ou são incorporados ao "segundo quadro" e passam a atuar com a camisa de times parceiros.
Falando em parcerias, estas constituem um dos aspectos mais nebulosos da atual gestão empresarial do futebol andreense. Nos últimos dois anos, a SAGED celebrou contratos de parceria com diversos clubes: Corinthians Alagoano, Palestra, Cruzeiro, Poços de Caldas, Gil Vicente (Portugal) e nesse momento mantém parcerias simultâneas com duas equipes da Segunda Divisão mineira: Patrocinense e Varginha. Até aqui tais parcerias resumem-se ao empréstimo, aos parceiros, de jogadores vinculados profissionalmente à SAGED - a maior parte deles oriundos das categorias de base – e, em alguns casos, também da comissão técnica. Assim, não se consegue vislumbrar "que vantagem Maria leva", ou melhor, o que o Santo André ganha com tais parcerias, já que o "fluxo" quase sempre é de mão única (o Corinthians Alagoano, enquanto recebia seis atletas do Ramalhão, emprestou algumas revelações de sua base... ao Palmeiras), e na maioria dos casos os salários dos atletas continuam sendo pagos pela empresa.
De todas essas parcerias, uma em especial nos causa arrepios: a celebrada com a Sociedade Esportiva Patrocinense, de Patrocínio (MG). Como apurou o ramalhonauta Marcelo Bellotti em seu blog (http://bellotti.zip.net), a referida entidade seria, de fato, uma empresa pública, ligada à administração daquele município (o endereço do "clube" é o de uma Secretaria municipal e seus administradores são Secretários da cidade), e portanto não poderia celebrar um contrato oneroso com uma empresa privada (SAGED). Receamos os possíveis desdobramentos desse caso.
Em suma, entendo que as tais parcerias, além de pouco ou nada acrescentar aos cofres da empresa e ao desempenho do futebol do Ramalhão, ainda tornaram-se um empecilho ao aproveitamento das principais revelações das categorias de base. Neste momento, um grupo bastante promissor parece estar surgindo na categoria sub-17 – as primeiras "crias" do que poderíamos chamar "Projeto Santa Luzia". Receio que nenhum dos atletas desse grupo venha a vestir um dia a camisa do Ramalhão como profissional. Se for assim, para o ponto de vista do torcedor a existência das categorias de base perderá completamente o significado, pois a pergunta formulada no começo deste artigo estaria respondida da pior forma: a SAGED estaria produzindo jogadores não para o Ramalhão, mas para o mercado.
Se, como escrevi logo no começo, o futuro de um clube são as suas categorias de base, dentro do que se desenha o Ramalhão terá perdido o seu futuro. Tomara que eu esteja errado.