Diz um conhecido ditado que quem não aprende com os erros do passado está condenado a repeti-los. Esse ditado cabe como uma luva no Santo André.
Em reunião recente com torcedores, o bambambam da Gestão Empresarial repetiu a afirmação feita algum tempo antes a membros da torcida Fúria Andreense, de que o futebol profissional está numa enrascada sem tamanho, por conta da falta de verbas. Ronan Pinto declara sem meias palavras que as únicas fontes de recursos do Ramalhão – repasses dos patrocinadores, participação nas transmissões da TV e eventuais negociações de atletas - estão com sua capacidade de crescimento esgotada, e que a disponibilidade atual é de cerca de R$ 300 mil mensais, insuficientes para manter o futebol profissional em nível competitivo. Ao reconhecer a situação de pindaíba, o chefão admite nada menos que o fracasso da Gestão Empresarial em capitalizar o futebol do ECSA.
O leitor atento não terá dificuldades em reconhecer a situação relatada por Ronan. De fato, é absolutamente a mesma conjuntura que levou à criação da própria SAGED, em 2007. Naquela ocasião o então Presidente do ECSA, Jairo Livólis, assumia a impossibilidade do clube levar adiante o futebol apenas com as fontes de recursos então existentes – basicamente as mesmas de hoje – e anunciava a criação da SAGED, um fundo de cotistas com a missão de alavancar recursos e gerir de forma responsável o futebol profissional. Se após quatro anos o cenário permanece o mesmo, é incontestável que a SAGED falhou em sua missão: os cotistas debandaram, ao se darem conta que os lucros tão esperados não viriam e, pior, que seriam chamados a desembolsar sua parte no prejuízo do fundo, e mais que depressa venderam suas cotas para o único interessado, abrindo o caminho para que o futebol profissional do ECSA tivesse um novo proprietário. Centralização foi justamente o contrário do que se pretendia com a criação da empresa, principalmente quando se passou longe do profissionalismo gerencial prometido.
As semelhanças são ainda maiores se analisarmos o desempenho dos times em campo. Em 2007, com uma equipe em que se "sobressaíram" atletas como Galeano, Raulen, Catatau, Edinho e Diogo Pires, o Ramalhão fez uma das piores campanhas de sua história e acabou rebaixado para a Série A-2, após duas inúteis trocas de treinador. Também naquela ocasião a equipe só foi conseguir sua primeira vitória no campeonato já em março. Impossível não perceber as semelhanças entre aquela equipe e a atual, em que apenas os nomes no elenco mudaram: Sandoval, Anderson, Mário Jara, Magno, Célio Codó e outros fazem novamente história no Ramalhão, negativamente. E para salientar ainda mais a semelhança, também em 2007 o ECSA disputou a Copa do Brasil, caindo logo na primeira fase diante do Potiguar de Mossoró. Este ano pelo menos o time passou pelo Naviraiense, mas nada indica que terá vida longa na segunda competição mais importante do calendário nacional.
São naturais as coincidências, pois ambas as equipes – a de 2007 e a atual – foram montadas em conjunturas semelhantes de indefinição e agitação nos bastidores. A escassez de recursos forçou a contratação de jogadores baratos: veteranos em final de carreira e jovens desconhecidos oferecidos por empresários a custo próximo de zero, apenas em troca de exposição e comissões. Todos sem maiores vínculos com a camisa e as tradições ramalhinas, ocupando os espaços que poderiam ser destinados ao aproveitamento das "pratas da casa". Mesma situação, mesmos procedimentos – mesmos resultados. Nada mais simples.
Mas, se as consequências da campanha desastrosa de 2007 foram revertidas em seguida por uma atuação satisfatória da recém-criada gestão empresarial, com o retorno do Ramalhão à Série A-1 e seu inesperado acesso à elite do Brasileirão, desta vez os resultados da queda tendem a ser bem mais duradouros. Isso porque nem tudo está exatamente igual a 4 anos atrás. O abandono definitivo do time pela cidade, que alimenta certa desconfiança à polêmica figura do controlador da SAGED; a concentração cada vez maior do poder financeiro e político do futebol nas mãos de cada vez menos equipes; a deterioração do Estádio Bruno Daniel, que chegou a um ponto crítico cuja reversão exigirá considerável aporte de recursos, a que a Administração da cidade não se mostra disposta; as parcerias inócuas celebradas com times mineiros, que levam para longe nossas poucas revelações e impedem o surgimento de vínculos entre estas, o time e a torcida; e a movimentação de bastidores no sentido de desvincular-se definitivamente o futebol profissional do ECSA do clube recreativo, com a criação de um "Grêmio Santo André", apontam para o encolhimento e até mesmo o desaparecimento do Ramalhão.
As perspectivas para obtenção de novas fontes de renda (entenda-se: novos investidores) não são animadoras, e o surgimento do suposto GSA não iria melhorar a situação, pois a desconfiança da cidade e do empresariado local continuariam os mesmos; como agravante, a torcida desapareceria de vez (ao menos no ambiente da lista Ramalhonautas ninguém se mostra disposto a trocar o Ramalhão pelo possível "novo" time), o que praticamente obrigaria o novo "clube-empresa" a buscar uma outra sede, menos hostil, sacramentando a morte do futebol profissional na cidade.
A opção seria o desfazimento da SAGED e o retorno do futebol profissional à gestão direta do Esporte Clube Santo André, que afinal é o motivo de seu nascimento e a razão maior de sua existência. Mas nesse caso seria preciso assumir que os recursos para manutenção do time serão para sempre escassos e que portanto o Ramalhão será, no máximo, um participante assíduo das séries A-2 e A-3 do campeonato paulista e desaparecerá do cenário nacional quando, eventualmente, perder sua vaga na Série C. A menos que haja uma mudança posterior e radical na estrutura do futebol brasileiro – o que poderá ocorrer por conta da realização da Copa em 2014, despertando maior interesse de investidores no futebol - o Santo André teria que contentar-se em ser um "time de verão" e permanecer nas mesmas condições de equipes como Ferroviária, Barbarense, Taubaté, União de Araras e outras que já viveram dias melhores. Mas pelo menos manteríamos a tradição, o escudo, a estrela e a certeza de que não estaríamos torcendo por uma "Ltda." qualquer.
O que de fato ocorrerá nos próximos meses é uma incógnita. O muito provável rebaixamento do Ramalhão para a A-2 poderá ter consequências imprevisíveis e desencadear acontecimentos que nenhum adivinho conseguiria antecipar. Mas acho que, pelo sim, pelo não, o torcedor deve começar desde já a rever suas expectativas em relação ao time e moderar suas pretensões.
Termino esta coluna tratando de um assunto que aparentemente nada tem a ver com o futebol: a conquista pelo time de Santo André do primeiro título da Liga Nacional de Basquete Feminino. A equipe merece nossos parabéns, nas figuras de suas comandantes Laís Helena e Arilza Coraça, abnegadas que há décadas não medem esforços pelo basquetebol da cidade. A equipe, todavia, é bancada pelo Poder Público, por meio da autarquia responsável pelo fornecimento de água e saneamento básico da cidade. Qualquer que seja o esporte, hoje só há duas possibilidades para manutenção de uma equipe de alto desempenho: ou é bancada e gerida por empresas, ou por prefeituras. O futebol, ao menos o de elite, ainda é exceção a essa regra, pois dispõe de sua própria e bilionária fonte de recursos: a TV. (Daí a guerra sórdida que se trava neste momento em torno dos direitos de transmissão dos campeonatos brasileiros de 2012 a 2014. Quase fico feliz porque o Ramalhão está fora disso.)