Nesses dias vi pequena polêmica entre torcedores da lista “Ramalhonautas” sobre o termo ramalhino. Houve quem considerasse pejorativo chamar o torcedor do Santo André dessa forma. Gosto do adjetivo por seu simbolismo.
João Ramalho é um mito na história paulista e em especial no ABC, fundador de uma certa Santo André da Borda do Campo, vila que até hoje ninguém sabe exatamente onde ficava. Segundo alguns surgiu onde hoje está o Centro de São Bernardo; para outros na atual Ribeirão Pires; outros já a localizaram nas proximidades do Hospital Municipal, na Vila Assunção (por isso aquela avenida se chama João Ramalho); ainda há quem diga que ficava entre o Rudge Ramos e o Bom Pastor. Por isso aquela vila tem pouca relação com a Santo André de hoje. O fato é que ela desapareceu. Por ordem de Mem de Sá seus moradores foram viver, perto de 1560, na vila de São Paulo de Piratininga. Ramalho foi junto, mas tempos depois voltou a viver entre os guaianás, pelos sertões.
O raça ruim
João Ramalho era o que minha avó chamava de “raça ruim”, bicho bravo, resistente, osso duro de roer. Estima-se que tenha chegado ao litoral em 1508, morrendo por volta de 1580, aos 95 anos! Isso porque viveu em plena selva. Era provavelmente um degredado (gente que cometia algum crime em Portugal e, como pena, era abandonado nas terras do Novo Mundo). Se sobrevivesse - às doenças, à fome, aos animais e aos canibais -, teria serventia como guia e intérprete com os índios. E o sujeito era raça ruim mesmo, pois além de sobreviver a tudo isso, viveu amancebado com inúmeras índias (Bartira foi a mais famosa) e teve dezenas de filhos. Além disso ficou poderoso como guerreiro nas lutas contra os carijós, inimigos dos guaianás e faturou alto escravizando os índios inimigos e os vendendo aos “peirós”, o nome dos portugueses para os indígenas.
Um aventureiro alemão, chamado Ulrich Schmidel, que passou pela vila de Santo André em 1553, achou-a com o “aspecto de um covil de bandidos”, ficando aliviado por não ter encontrado “Johanes Reimelle” que se encontrava no sertão em busca de carijós e outros. Imaginem como ele devia ser bonzinho. Para encerrar a fábula: ainda em 1553 o governador-geral Tomé de Sousa dizia que Ramalho tinha mais de 70 anos, sem um fio de cabelo branco e – pasmem - vivia a caminhar “nove léguas (54km) antes de jantar”. Era ou não era osso duro de roer?
E nós com isso?
Tirando as barbaridades, tal personagem é fascinante e absolutamente digno de apadrinhar o Esporte Clube Santo André, designando seus torcedores. O Santo André é o RAMALHÃO. É o osso duro de roer, a pedra no sapato, o time destemido que encarou 71.500 flamenguistas no Maracanã. Que segue em frente apesar da CBF, Federação Paulista ou Clube dos 13. E nós, ramalhinos, somos impertinentes, valentes, obstinados, apaixonados (éramos os outros 500 no Maraca). Nossa sofisticação está em sermos rudes, no bom sentido. Por isso o nome nos cai bem. Sim, somos ramalhinos, somos bravos, pero, como diria Che Guevara, sin perder la ternura, jamas!
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